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domingo, 9 de agosto de 2009

Solidão de pedra

www.laurie.com.br/solidao-de-pedra/

Moradora de rua que conversa com estátua em São Paulo evidencia solidão e desprezo na cidade

Por Laura Barile

Quem passa pelo fim da Avenida Paulista, pela praça Oswaldo Cruz deve ter reparado na mais nova atração da região. A estátua “Índio Pescador”, de Francisco Leopoldo e Silva recebeu novas roupagens – camisetas, enfeites ou flores são já acessórios comuns sobre o bronze da estátua. A autora, nenhuma artista plástica ou manifestante, mas sim uma moradora de rua, que adotou a praça e o índio como trabalho e companhia.

“Essa praça é dele” afirma Maria Aparecida Pereira, ou Cida, como se apresentou. Todos os dias às 6 da manhã ela vai para a praça, toma café na padaria e au travail. “Primeiro é a prefeitura que cuida da praça, depois sou eu. Eu sou que nem um guarda, enquanto eu estou aqui ninguém mexe”, confirma. Dorme na rua, numa região próxima, porque à noite a praça é muito gelada. Quem trabalha por lá não se surpreende mais. O engraxate Fernando Rossi Irias, que trabalha na Oswaldo Cruz, conta: “Ela é uma mulher esforçada, que cada dia vem aqui cedinho, cuida da praça, varre a praça e cuida do índio. E sempre ela pega e põe roupa no índio também”. Cida confirma, sem modéstia, “No que eu trabalho eu sou divina”.

A guardiã da praça tem lembranças confusas de sua história de vida. Conta que veio da Bahia, em busca de trabalho, e que morou alguns anos no bairro da Penha, em São Paulo, mas não responde, ou não se lembra, como chegou às ruas. “Eu sou livre, não tenho marido nem filhos”, comenta, orgulhosa. Mas fica visivelmente emocionada quando começa a falar da antiga patroa, “ela tem tudo, marido, filhos, uma igreja em frente de casa…” A liberdade, em certos momentos, parece se misturar com solidão. “Minha família tá lá na Bahia, bem distante de mim”, ela conta. Por isso ela passa as tardes na praça, cuidando do índio, vestindo-o quando está frio, e também conversando com ele. “Ele é igual a nós, quando a gente sente frio, busca um lugar quente”, explica.

Ana Paula Pereira Dunes, que trabalha numa banca de jornal próxima conta que Maria Aparecida passou alguns meses fora. “Eu tive que voltar, porque o índio ficou sozinho”, justifica Cida. “Aí o índio falou, Cidinha – ele diz Cidinha para não ter que dizer Maria Aparecida – não vai embora que sem você a praça fica errada, fica tudo seco, as pombinhas morrem, porque ninguém cuida.” Ana Paula conta também que nunca viu a moradora brigar com ninguém que tentou aproximação (dela ou do índio).

Quando questionada sobre isso, Cida responde “falo com todo mundo”, e, como que segredando algo, “as pessoas aqui são muito ricas!” O engraxate Lucas Rodrigues, que também trabalha na praça, comenta que às vezes visitantes trazem roupa e comida para ela, “mas sempre vejo ela sozinha, conversar com alguém é difícil”. Monica Figueiredo, que trabalha na Farmácia Popular, reforça: “ela trata bem quem trata bem ela”.

Daqueles que trabalham por lá, no entanto, poucos se arriscam a ter uma conversa mais longa com a moradora de rua. Fernando Irias justifica: “nós não conversamos com ela porque ela é muito ignorante, muito estúpida. Ela não deixa nem chegar perto do índio”, outros alegam falta de tempo para conversar, por estarem lá a trabalho. A psicóloga Tatiana Barile explica: “as pessoas tem medo, repulsa; não olham para as pessoas que estão na rua”, e comenta que os moradores de rua acabam usando sua aparência suja ou desarrumada como tática para espantarem as pessoas e, assim, se protegerem.

Pela falta de contato, ninguém conhece a história de Maria Aparecida, e mesmo a relação com o índio é nebulosa para muitos deles, que freqüentemente ironizam um romance entre os dois. “Todo mundo dá risada, todo mundo acha super engraçado, que ela cuida dele como se fosse gente”, conta Monica Figueiredo. Ela, no entanto, vê a senhora com bastante sensibilidade: “eu acho que ela trata, ela cuida… não é nem por colocar roupa no índio nem nada, eu acho que é uma carência, de ela não poder fazer isso com uma pessoa, e ela transfere isso para a estátua.”

O caso de Maria Aparecida revela muito além da loucura. Para a psicóloga Tatiana Barile, o caso pode evidenciar uma quebra de vínculos: “O que eu vejo das pessoas de rua é que elas vão sofrendo violências, desilusões, desafetos, e por isso elas vão perdendo as esperanças… Não conseguem lidar com essas dificuldades e acabam indo para a rua, acabam perdendo tudo. E na rua elas buscam outros vínculos, outras pessoas para se relacionar”. A história de Cida exemplifica e leva a seu extremo a solidão na cidade de São Paulo. “Essa aproximação com a estátua está falando na verdade que todo mundo precisa de afeto, de vínculo”, completa Tatiana. Cidinha comenta “Ele [o índio] para mim é um irmão, eu faço por ele o que gostaria que fizessem por mim”.

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